"A alma humana é crística por sua natureza". Tertuliano

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Comer, rezar, amar



Eu não esperava muito do filme. Esperava mais uma comédia romântica açucarada. Mas tive uma boa surpresa. Há suas forçadas! Sem dúvidas! Se não, não seria cinema comercial americano! Como análise cinematográfica salvam-se a fotografia (paisagens lindíssimas), alguns diálogos e atuação de Julia Roberts e Javier Bardem. Mas o que me chamou a atenção foi o conteúdo espiritual do filme que eu não esperava muito. Há que se destacar.

O filme começa com Liz (Julia Roberts) consultando um xamã em Bali. Um senhor simpático e desdentado que faz uma série de previsões sobre sua vida incluindo seu retorno para aquela ilha.

Liz Gilbert parte em busca de autoconhecimento após desentendimento com o marido sobre os rumos de sua vida conjugal. Há claramente, desde o princípio, a busca de uma felicidade que preencha vazios existenciais. Condição não satisfeita pelo seu casamento. Buscar a felicidade não é sinal de egoísmo. Só é possível dar o melhor de nós mesmos quando não existem lacunas emocionais. Liz tentou fazer o melhor na relação mesmo que isto não significasse entrega autêntica. Sabia que o marido a amava, mas aquilo não era o bastante para sua felicidade.

Ao tentar decidir sobre o que fazer busca os céus. É muito bom o momento que ela vai rezar pela primeira vez e ao se dirigir a Deus começa dizendo: "Admiro muito seu trabalho!" Hahaha... Falta intimidade com o Criador...

Ela arrisca um relacionamento fugaz com um ator. Há uma empatia, mas também não iria longe. O namorado verbaliza uma sugestão para ela que na verdade fazemos muito tacitamente: ficamos juntos, mesmo que infelizes, para não sofrermos a dor da separação. É, no mínimo, sincero. Freud dizia que há duas maneiras de se buscar a felicidade: evitando a dor ou arriscando tudo. Liz faz sua opção pela segunda. Corajosa.

Liz parte então para o tudo ou nada. Larga a vida confortável em Nova York para tentar buscar algo que nem ela mesma sabe exatamente o que é. Ela sabe que é preciso arriscar. Vai aprender italiano na Itália.

Ao chegar em Roma, do alto de uma colina, de frente para o Vaticano, lembra de uma "piada" que diz que só podemos pedir a um Santo para nos ajudar a ganhar na loteria se comprarmos o bilhete para jogar. Ela estava comprando os bilhetes.

Roma não é o lugar da reza, como deixa claro o filme. Apesar da primeira imagem de Roma ser o Vaticano, Roma é o lugar do prazer. E os romanos sabem disto ao dizer que os americanos entendem é de entretenimento, mas não de prazer. Bela diferença feita.
Linguagem, gestos, culinária (a cena em que ela come espaguete é deliciosa!), paisagem belíssima (não poderia faltar a Toscana), clima romântico, ruas estreitas... Itália é realmente um lugar para o prazer sensorial.

Mas o quê do filme está na busca espiritual e esta se dá em maior medida na Índia. É lá que aparecem questões de fato fundamentais numa busca espiritual.

O silêncio da mente no processo meditativo.
É bem real a cena em que Liz tenta meditar pela primeira vez e não consegue devido aos pensamentos que insistem em marcar território em sua mente. Quem medita sabe o quanto é difícil as primeiras vezes. Há um diálogo com uma espécie de amigo-guru que ela conhece na Índia que vai dizer:"É necessário que você esvazie sua mente para que deixe a possibilidade da entrada de Deus". Mas ela aprende.
Este mesmo amigo-guru, um norteamericano do Texas, vai lhe apresentar outra pedra fundamental do autoconhecimento: a dor. A dor de se aceitar. Autoconhecimento é doloroso, é a descida ao nosso inferno. Pode ser uma dor psicológica como uma dor física como de uma doença. Lembrei-me de uma frase do falecido vice-presidente José Alencar: "O mal que o câncer me fez não é maior que o conhecimento que ele me proporcionou." E depois da dor do autoconhecimento vamos para outra etapa:

Perdoar a si mesmo para, então, perdoar os outros e querer que os outros nos perdoe. Nós somos os piores carrascos de nós mesmos. É nossa consciência que nos atira ao inferno ou nos eleva aos céus. Liz vai descobrir isto. E, ao mesmo tempo, apesar de ainda amar o ex-marido sabe que não tem mais volta. Porque uma vez iniciada uma jornada espiritual não se volta mais a mesma pessoa que partiu. Ela já era outra.

A viagem como busca espiritual é a necessidade de rompermos valores estabelecidos. Longe de casa, da própria língua, da cultura, dos referenciais conhecidos nos voltamos mais para nós mesmos. Há quem busque o deserto para esta introspecção. Na ausência de referenciais externos só é possível buscar um norte dentro de si mesmo.
E aí, é necessário ser corajoso para nos reconhecermos e ancorarmos nosso barco de desejos e necessidades no porto daquilo que realmente somos.

A parte de amar... bom, aí fica a parte mais açucarada, com clichês (tipo: o acidente que leva o casal romântico a se encontrar...) etc.

Vale citar as canções brasileiras no filme (Wave de Tom Jobim na voz de João Gilberto, Samba da Benção de Vinicius e Baden Powell interpretada por Bebel Gilberto) e o próprio Javier Bardem, personagem Felipe, como brasileiro e que arrisca no português. Deu para enganar bem. Engraçado ele explicando para Liz que ela era uma "falsa-magra". Essa expressão é definitivamente tupiniquim.

Ao final Liz resume sua aventura no que ela chamou de "Física da Procura". O texto explicativo é fantástico. Resolvi reproduzi-lo na integra:

"Se você tiver coragem de deixar tudo o que é familiar e conhecido, desde a sua casa até antigos ressentimentos, para partir em busca de uma verdade interna ou externa. E se dispuser a encarar tuo o que lhe acontecer como uma pista e aceitar todos os que cruzarem seu caminho como um mestre e se estiver preparada, acima de tudo, para aceitar e perdoar realidades duras sobre si mesma então, a verdade não lhe será negada."

Definitivamente não é um filme profundo, mas para quem esperava pouco valeu a pena. O livro homônimo que deu origem ao filme deve ser, como dizem, mais completo. É verificar para confirmar.

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