"A alma humana é crística por sua natureza". Tertuliano

sábado, 30 de abril de 2011

Beatificação

Parece que o Vaticano resolveu endossar as profecias de São Malaquias. Como eu comentei no post de 18 de abril São Malaquias definiu um lema para cada papa desde o século XII até o "último papa", ou seja, o próximo depois de Bento XVI. O lema de João Paulo II é "De labore solis" ou "O trabalho do sol". João Paulo II tem alguns momentos cruciais da sua vida marcados por eclipses e é considerado um dos papas que mais trabalhou na visitação a países e expansão do catolicismo. Ele será beatificado hoje, 1° de Maio, Dia Internacional do Trabalho. Coincidência?

sábado, 23 de abril de 2011

Ressurreição e Renascimento



Para ressuscitar é necessário morrer primeiro. Para renascer basta estar vivo fisicamente. Renascimentos podem ocorrer várias vezes em nossas vidas. Basta ocorrer algo que quase nos leve à morte ou que nos faça encarar a vida e o mundo de modo muito diferente do que estávamos acostumados. A nova forma como encaramos o mundo nos faz sentir que é uma outra vida e que, portanto, se trata de um nascer. No mais, se a mudança foi muito brusca e repentina podemos encarar o encerramento de nosso antigo modo de viver como morte. Talvez uma morte psicológica, se isto for possível. Há, portanto, quem morra várias vezes numa mesma vida. E há quem renasça ao descobrir que a morte física é um novo nascer.
Ressuscitar, portanto, só seria, de fato, possível com a existência da morte. Se é possível numa mesma vida vários renascimentos e, após esta vida, novos nascimentos o que chamamos de morte é apenas uma conexão, um ponto, entre estas várias, senão, infinitas vidas. Renascimentos e nascimentos são mais prolongados e, muitas vezes, mais dolorosos do que a transição entre estes processos. Ressuscitar não é, talvez, mais importante que renascer ou nascer de novo. Até porque o único que "ressuscitou" disse que o homem precisa nascer de novo para ter a vida eterna (Jo 3,1-8). E mais, se ele mesmo disse que veio para que todos tenham vida plena (Jo 10,10) sua "ressurreição" só tem significado com o renascimento do homem em vida. Senão ele não teria "ressuscitado". Não há porque esperar morrer para "ressuscitar", até porque nasceremos de novo. Temos que fazer valer sua "ressurreição" através do nosso renascimento, da nossa mudança de vida (em vida) na perspectiva da perfeição (Mt 5,48).

terça-feira, 19 de abril de 2011

Hildegard von Bingen




Foi lendo a respeito do misticismo cristão da Idade Média que conheci Hildegard von Bingen. Foi uma descoberta e tanto. Ela foi uma pessoa iluminada, capaz de grandes gestos e responsável por uma obra de primeira grandeza. Isto tudo somado ao fato de ter sido uma freira em pleno século XII na Alemanha. Época e lugar onde mulheres não tinham voz nem vez para tratar de questões místicas ou religiosas. A diversidade de atividades e obras dá uma ideia de sua importância. Hildegard foi monja beneditina, mística, teóloga, compositora, pregadora, naturalista, médica informal, poetisa, dramaturga, escritora e mestra do Mosteiro de Rupertsberg em Bingen am Rhein, na Alemanha.
Sua noção espiritual de ligação com Deus pressupunha uma conexão cósmica do humano.
"Ela possuía uma concepção mística e integrada do universo, ainda que essa concepção não excluísse o realismo e encontrasse no mundo muitos problemas. A solução para eles, de acordo com suas idéias, devia advir de uma união cooperativa e harmoniosa entre corpo e espírito, entre natureza, vontade humana e graça divina."
Fonte: wikipedia
A seguir uma de suas composições. O trabalho de vídeo ficou muito bom. Sugestão: apague as luzes (para aproveitar melhor as imagens), aumente o som e boa viagem.


(a respeito dos textos que aparecem no vídeo leia mais abaixo)

Hildegard provinha de família nobre da região de Alzey, no sul da Alemanha. Já aos três anos de idade, a futura abadessa demonstrava habilidades visionárias. Mas foi somente aos 15 anos, como interna do convento junto ao mosteiro beneditino de Disibodenberg, que percebeu quão especial era a habilidade que possuía.
Hildegard viveu vários anos como uma simples freira. Com a morte da tutora Jutta, em 1136, ela se tornou a superiora do convento. Sempre acometida de doenças, tentava esconder suas visões. Aos 42 anos, recebeu a incumbência divina de escrevê-las. Por medo da tarefa, caiu doente. Somente após a intervenção de Volmar, seu padre-confessor, e do abade Kuno, ela começou sua obra.
Hildegard trabalhou durante cinco anos no livro Scivias (Saiba o caminho), ditando-o para Volmar, que corrigia gramaticalmente os escritos em latim. São Bernardo de Clairvaux, um dos maiores teólogos do século 12, interveio junto ao papa Eugênio 3° em prol de Hildegard. O papa enviou uma comissão para examinar o caráter de seus escritos. Não houve dúvidas, eram palavras de Deus.
Fonte: http://www.dw-world.de


A obra de Hildegard sobre plantas medicinais escrita em 1158 é, até hoje, referência da medicina natural. Hildegard não acreditava encontrar Deus na razão. Ela aprendeu a olhar os lírios dos campos e a ver neles a presença divina que também levaria a cura de doenças. Para ela, o homem saudável estava em sintonia com Deus. Hildegard aliou a antiga medicina dos gregos, propagada por Galeno, à fé cristã. Para ela, micro e macrocosmo interagem lado a lado em sua percepção do homem e de Deus. Para honrar a Deus, o homem teria que interagir com seu meio-ambiente.

A obra dela é extensa. Ela produziu nas diferentes áreas do conhecimento humano: artes (composição, poesia, dramaturgia), ciência escreveu o livro Liber subtilitatum diversarum naturarum creaturarum, (Livro das propriedades - ou sutilezas - das várias criaturas da natureza), dividido em Physica (Liber simplices medicinae) (Física - Livro da medicina simples) e Causae et curae (Liber compositae medicinae) (Causas e curas - Livro da medicina complexa), filosofia e teologia (escreveu uma triologia teológica) e tantas outras coisas. Ela chegou a criar um alfabeto e um língua artificial (que aparecem no primeiro vídeo acima - a princípio fiquei tentando identificar que linguagem era aquela) afim de descrever os seres que apareciam em suas visões.

Como compositora a música dela parece algo de outra dimensão. Há quem diga que ela era um ser multidimensional dada a sua incrível inteligência. A seguir um de seus poemas musicados e que faz parte de uma obra maior Symphonia

TRADUÇÃO
Oh verdíssima rama
Oh verdíssima rama, salve!
tu que surgiste no sopro
do mistério sagrado.
Era o tempo chegado
de em teus próprios galhos floresceres,
sejas, assim, louvada!,
pois o sol em ti transuda, ardente,
um bálsamo cheiroso.
Deveras em ti abriu rara flor,
que para todos, áridos antes,
deu seu perfume.
E então tudo apareceu
em sua verdura plena.
E o céu derramou seu orvalho
sobre a relva
e toda terra exultou,
pois de seu ventre
brotaram os grãos,
e as aves do céu
nela fizeram seus ninhos.
Assim foi criado o alimento do homem
e a riqueza feliz dos banquetes.
Virgem suave, oh, em ti
nunca míngua a alegria.
Eva uma vez lamentou tudo isso,
mas agora, seja louvado o Altíssimo.

segunda-feira, 18 de abril de 2011

Comer, rezar, amar



Eu não esperava muito do filme. Esperava mais uma comédia romântica açucarada. Mas tive uma boa surpresa. Há suas forçadas! Sem dúvidas! Se não, não seria cinema comercial americano! Como análise cinematográfica salvam-se a fotografia (paisagens lindíssimas), alguns diálogos e atuação de Julia Roberts e Javier Bardem. Mas o que me chamou a atenção foi o conteúdo espiritual do filme que eu não esperava muito. Há que se destacar.

O filme começa com Liz (Julia Roberts) consultando um xamã em Bali. Um senhor simpático e desdentado que faz uma série de previsões sobre sua vida incluindo seu retorno para aquela ilha.

Liz Gilbert parte em busca de autoconhecimento após desentendimento com o marido sobre os rumos de sua vida conjugal. Há claramente, desde o princípio, a busca de uma felicidade que preencha vazios existenciais. Condição não satisfeita pelo seu casamento. Buscar a felicidade não é sinal de egoísmo. Só é possível dar o melhor de nós mesmos quando não existem lacunas emocionais. Liz tentou fazer o melhor na relação mesmo que isto não significasse entrega autêntica. Sabia que o marido a amava, mas aquilo não era o bastante para sua felicidade.

Ao tentar decidir sobre o que fazer busca os céus. É muito bom o momento que ela vai rezar pela primeira vez e ao se dirigir a Deus começa dizendo: "Admiro muito seu trabalho!" Hahaha... Falta intimidade com o Criador...

Ela arrisca um relacionamento fugaz com um ator. Há uma empatia, mas também não iria longe. O namorado verbaliza uma sugestão para ela que na verdade fazemos muito tacitamente: ficamos juntos, mesmo que infelizes, para não sofrermos a dor da separação. É, no mínimo, sincero. Freud dizia que há duas maneiras de se buscar a felicidade: evitando a dor ou arriscando tudo. Liz faz sua opção pela segunda. Corajosa.

Liz parte então para o tudo ou nada. Larga a vida confortável em Nova York para tentar buscar algo que nem ela mesma sabe exatamente o que é. Ela sabe que é preciso arriscar. Vai aprender italiano na Itália.

Ao chegar em Roma, do alto de uma colina, de frente para o Vaticano, lembra de uma "piada" que diz que só podemos pedir a um Santo para nos ajudar a ganhar na loteria se comprarmos o bilhete para jogar. Ela estava comprando os bilhetes.

Roma não é o lugar da reza, como deixa claro o filme. Apesar da primeira imagem de Roma ser o Vaticano, Roma é o lugar do prazer. E os romanos sabem disto ao dizer que os americanos entendem é de entretenimento, mas não de prazer. Bela diferença feita.
Linguagem, gestos, culinária (a cena em que ela come espaguete é deliciosa!), paisagem belíssima (não poderia faltar a Toscana), clima romântico, ruas estreitas... Itália é realmente um lugar para o prazer sensorial.

Mas o quê do filme está na busca espiritual e esta se dá em maior medida na Índia. É lá que aparecem questões de fato fundamentais numa busca espiritual.

O silêncio da mente no processo meditativo.
É bem real a cena em que Liz tenta meditar pela primeira vez e não consegue devido aos pensamentos que insistem em marcar território em sua mente. Quem medita sabe o quanto é difícil as primeiras vezes. Há um diálogo com uma espécie de amigo-guru que ela conhece na Índia que vai dizer:"É necessário que você esvazie sua mente para que deixe a possibilidade da entrada de Deus". Mas ela aprende.
Este mesmo amigo-guru, um norteamericano do Texas, vai lhe apresentar outra pedra fundamental do autoconhecimento: a dor. A dor de se aceitar. Autoconhecimento é doloroso, é a descida ao nosso inferno. Pode ser uma dor psicológica como uma dor física como de uma doença. Lembrei-me de uma frase do falecido vice-presidente José Alencar: "O mal que o câncer me fez não é maior que o conhecimento que ele me proporcionou." E depois da dor do autoconhecimento vamos para outra etapa:

Perdoar a si mesmo para, então, perdoar os outros e querer que os outros nos perdoe. Nós somos os piores carrascos de nós mesmos. É nossa consciência que nos atira ao inferno ou nos eleva aos céus. Liz vai descobrir isto. E, ao mesmo tempo, apesar de ainda amar o ex-marido sabe que não tem mais volta. Porque uma vez iniciada uma jornada espiritual não se volta mais a mesma pessoa que partiu. Ela já era outra.

A viagem como busca espiritual é a necessidade de rompermos valores estabelecidos. Longe de casa, da própria língua, da cultura, dos referenciais conhecidos nos voltamos mais para nós mesmos. Há quem busque o deserto para esta introspecção. Na ausência de referenciais externos só é possível buscar um norte dentro de si mesmo.
E aí, é necessário ser corajoso para nos reconhecermos e ancorarmos nosso barco de desejos e necessidades no porto daquilo que realmente somos.

A parte de amar... bom, aí fica a parte mais açucarada, com clichês (tipo: o acidente que leva o casal romântico a se encontrar...) etc.

Vale citar as canções brasileiras no filme (Wave de Tom Jobim na voz de João Gilberto, Samba da Benção de Vinicius e Baden Powell interpretada por Bebel Gilberto) e o próprio Javier Bardem, personagem Felipe, como brasileiro e que arrisca no português. Deu para enganar bem. Engraçado ele explicando para Liz que ela era uma "falsa-magra". Essa expressão é definitivamente tupiniquim.

Ao final Liz resume sua aventura no que ela chamou de "Física da Procura". O texto explicativo é fantástico. Resolvi reproduzi-lo na integra:

"Se você tiver coragem de deixar tudo o que é familiar e conhecido, desde a sua casa até antigos ressentimentos, para partir em busca de uma verdade interna ou externa. E se dispuser a encarar tuo o que lhe acontecer como uma pista e aceitar todos os que cruzarem seu caminho como um mestre e se estiver preparada, acima de tudo, para aceitar e perdoar realidades duras sobre si mesma então, a verdade não lhe será negada."

Definitivamente não é um filme profundo, mas para quem esperava pouco valeu a pena. O livro homônimo que deu origem ao filme deve ser, como dizem, mais completo. É verificar para confirmar.

sábado, 16 de abril de 2011

Habemus Papam (por enquanto?)



Hoje é aniversário de 84 anos do papa Bento XVI. À medida que a idade avança, por se tratar do papa, fica a questão de quanto tempo resta para o seu papado. Eu não desejo que alguém morra, nem o papa. A questão em relação aos papas é outra. Sabemos que o tempo de papado é determinado pelo seu tempo de vida. E daí?

É que lembrei-me da profecia de São Malaquias. Para quem não sabe São Malaquias, batizado Maelmhaedhoc O'Morgan, foi um padre irlandês que nasceu em 1094. Após sua ordenação começou a ter visões. E estas visões apresentavam a sequência de papas até, provavelmente, o fim da Igreja Católica ou do Vaticano. Digo provavelmente porque a lista de papas tem um fim. Presume-se, então, que seria também o fim do Igreja.

As visões recebidas lhe causavam muita angústia. Sobre elas escrevia sátiras ou lemas para descrever cada papado. Foi então que em 1140 passou seu escritos para o Papa Inocêncio II que, a princípio resistiu às profecias, aceitou depois de uma advertência, através também de uma visão, de Deus.

São 112 lemas (desde Celestino II até hoje) relacionados a papas e, segundo São Malaquias, estaríamos no 111° lema papal com Bento XVI. Ou seja, Bento XVI é o penúltimo papa.

A relação dos lemas com os papas é muito interessante e há de fato correlação. Tanto que o Vaticano leva isto a sério (vide abaixo a respeito do conclave de Bento XVI). A lista também é bastante extensa e vale a pena verificar. No entanto vou descrever apenas o lema dos últimos três papas, e do que seria o 112°, e sua relação com os papas.


109° DE MEDIETATE LUNAE (Da metade da Lua)

João Paulo I - Albini Luciani (1978)


Significado do nome Albini Luciani é "Luz Branca". João Paulo I nasceu em Forno de Canalin, na diocese de Belluno, e Luno, em latim, é Lua. Em vários momentos muito importantes da sua vida (nascimento, ordenação, eleição como bispo de Veneza etc...) a lua estava em quarto crescente.

Todos os cardeais que participavam do conclave na sua eleição para papa não tinham nada que os relacionassem ao lema.

110° DE LABORE SOLIS (O Trabalho do Sol)

João Paulo II - Karol Josef Wojtyla (1978-2005)


Wojtyla era polonês assim como Copérnico que descreveu o movimento do Sol. Foi um dos únicos papas que trabalharam fisicamente. Considerado um dos papas que mais trabalhou foi, com certeza, o que mais viajou. Assim extendeu o contato do Vaticano com o mundo.

111° GLORIA OLIVAE (Glória da Oliveira)

Bento XVI - Joseph Alois Ratzinger (2005- ?)


Diz-se que durante o último conclave (reunião para escolha do papa) os cardeais evitaram escolher alguém que tivesse alguma relação com o lema de "Glória da Oliveira". Ratzinger, aparentemente, não tinha nenhuma relação por ser de origem alemã, ou seja, na Alemanha não se produz oliveiras. No entanto, quando Ratzinger escolheu seu nome de papa fez aí então a relação com o lema. Bento viria de Beneditinos. O símbolo dos beneditinos é uma oliveira (vide gravura acima logo abaixo da foto de Bento XVI). Aliás, São Malaquias era monge beneditino. Ainda, segundo este santo, a ordem dos beneditinos seria importante nos "finais dos tempos" porque a Igreja passaria por difíceis acusações e processo de destruição. Alguma relação com padres pedófilos e 2012? E enfim:

112° PETRUS ROMANUS (Pedro, o romano)

???


Este seria o último papa. Ele apaziguaria as ovelhas da igreja católica mas também assistiria à destruição da cidade das sete colinas: Roma. Seria também o momento do "fim dos tempos", ou seja, o fim da era de peixes e início da era de Aquários. Quem seria? Seria alguém chamado Pedro? Seria alguém de Roma?


O interessante, ou terrível para muitos, é a convergêngia das profecias de São Malaquias com outras profecias sobre 2012 e os acontecimentos vindouros do fim da era de Peixes. As profecias de São Malaquias não se referem apenas aos papas. O santo previra sua própria morte, com data e horário, e acertou. Mas são as profecias dos lemas papais as que mais intrigam por que dão conta do fim da Igreja Católica baseada no poder do Vaticano.

De qualquer maneira fica a expectativa se as profecias dos lemas papais continuarão a se concretizar com o próximo, e, quem sabe o último, papa.








segunda-feira, 11 de abril de 2011

Título e objetivo do blog



Alma: princípio de vida, espírito

Defumada: que passou por defumação


O título sugere algumas interpretações no que se refere à defumação. Quanto à alma não há margens para dúvidas que falamos do espírito encarnado. Portanto falaremos de coisas que não se referem somente ao espírito ou à espiritualidade para além da vida na Terra. Falaremos do espírito que passa por experiências humanas. Ou seja: enquanto alma com suas emoções, sentimentos e a vida na Terra com suas limitações.

Já a respeito da defumação podemos pensar em duas possibilidades. A defumação enquanto ritual de limpeza ou purificação. E também a defumação como processo de apuramento do sabor de um alimento. Como se defuma queijo ou carne.

No primeiro caso sabemos que a defumação é ato de diversos tipos de religião e ritos, ora como queima de ervas, ora com a queima de incenso etc. Há defumação no catolicismo, na umbanda, no candomblé, no xamanismo, no hinduísmo, no budismo etc. Desta mesma maneir este blog não se restringirá a uma crença ou mais crenças, este é sobre espiritualidade no geral. A idéia de uma alma que passa por tal processo, de limpeza ou purificação, nasceu de experiência de quem experimentou ritos de passagem e se limpou ou purificou.


Defumação também faz-me lembrar de um tio benzedor do interior. Ele usava a fumaça de ervas que ele queimava no momento da benzeção. Ele espalhava a fumaça em volta do nosso corpo enquanto fazia suas rezas. Eu era uma criança, ficava sentadinho numa cadeira colocada no meio do quintal em noites de lua. Tenho a imagem do quintal iluminado pela lua. Eu achava tudo aquilo estranho e interessante ao mesmo tempo. Por conta disto gosto do cheiro de ervas queimadas que são utilizadas em purificação de espaços. É uma lembrança familiar.

No segundo caso é de uma alma curada no sentido que teve seu sabor alterado, ou melhor, passou por processo de apuramento de sabor pela exposição à fumaça. Neste caso se desdobra em duas possibilidades: a primeira diz respeito à melhoria da alma por ter melhorado seu "sabor" e a segunda a experiência de vida. Trata-se de uma alma que viveu, que se transformou a partir das sensações (prazeres e dores através dos sentidos) da carne. A fumaça, no caso, é a própria vida que lhe dá sabor, que a melhora e a difere de uma alma "crua".


Para mim há ainda uma última referência bastante pessoal e esta explicada de maneira bem simplificada nos haikais do primeiro post deste blog. Está relacionada à minha infância na casa de meus avós no interior de São Paulo. A casa que ficava no campo vivia impregnada do cheiro da fumaça do fogão à lenha. A casa assim como o cotidiano da família, pode-se dizer, ficavam defumados. Havia também o processo de defumação da carne de algum animal abatido, mas este ocorria num paiol próximo da casa maior. O fogo e a fumaça eram bem presentes na vida e nas atividades da casa e do sítio. Sempre que sinto cheiro de fumaça de lenha lembro-me daquele tempo. É a memória marcada na alma.

domingo, 3 de abril de 2011

Luiza e suas ervas medicinais


Fui à feira pela manhã como tenho feito nos últimos domingos. Esta não é uma atividade que eu goste. Eu a evito como posso. No entanto, como pai e conhecedor do preço dos alimentos nos supermecados e sacolões e da qualidade destes produtos nestes lugares citados a feira é uma opção interessante.

Então, hoje assim que entrei na balbúrdia organizada lembrei-me que na semana passada conheci de relance uma barraca que já estava em desmonte e que me chamou a atenção. Era uma barraca de ervas medicinais.

Mas não era qualquer barraca. Devia haver perto de duas centenas dos mais diferentes tipos de cascas, folhas, plantas desidratadas, compostos etc. Fiquei impressionado.

Depois de lembrar-me desta barraca, não tive dúvidas, para lá fui. E lá conversei com a mesma mulher que me atendeu rapidamente na semana passada: Luiza.

Luiza é uma mulher de altura mediana, negra, com um sorriso largo e fácil e um olhar que transmite alegria e confiança. Comecei perguntando de algumas cascas de árvores que tirei, por curiosidade, dos sacos expostos na banca. Minutos depois já conversávamos sobre a sua ascendência mineira e africana, da influência no conhecimento das plantas de seu pai moçambicano e seu tio Antônio Pereira de Minas, que conhecia o médium Chico Xavier.


Luiza também é benzedeira. Ela procurou deixar claro que sempre que pratica a caridade com bezenção ou ervas ela se torna apenas um instrumento de Deus. Que não é ela que sabe das coisas, senão os "anjos" que estão juntos a ela.

Ela frequenta uma igreja evangélica no Brás, que aliás é bastante famosa e tem seus cultos transmitidos pela televisão. Gosta do culto evangélico e confia na integridade do pastor que faz o sermão. Apesar disso não se diz evangélica e não gosta de carregar rótulos. Ela atende a todos sem distinção. Procura viver do seu conhecimento com ervas medicinais e sempre que possível pratica sua caridade com cura.

Ela, em quinze minutos de conversa entre atendimentos a clientes, demonstrou um profundo conhecimento sobre plantas, crenças e, principalmente espiritualidade. Fiquei impressionado e feliz.

Meu interesse pelo assunto vem de um resgate também de minha ascendência. Tenho orgulho de ter nascido em minha família de benzedeiros. Um tio, por parte de mãe, chegou a ficar famoso por suas curas milagrosas na região de Presidente Prudente. Ele inclusive é homenageado com uma praça com seu nome na cidade de Iepê-SP.


Esta prática que persiste, mas ainda é vítima de preconceito, perde espaço frente à indústria farmacêutica alopática.

É fundamental que reconheçamos a sabedoria e o trabalho daqueles que atuam com fitoterápicos e rezação. É necessário dizer que nem tudo que vem da natureza ou é "natural" só faz bem ao corpo e à alma. É preciso pesquisa científico, é preciso conhecimento tradicional. Se não reconhecemos este tipo de trabalho pessoas como Luiza e detentores deste tipo de conhecimento em comunidade tradicionais (caboclos, indígenas, quilombolas, ribeirinhos, caiçaras etc.)espalhados pelo Brasil ficam à mercê da biopirataria. Temos vários casos de vegetais endêmicos que foram patenteados no estrangeiro. Então o princípio ativo destas plantas viram remédios e, nós brasileiros, temos que pagar caro por royalties destes mesmos medicamentos. Não é justo!

Próxima vez que eu for à feira conversarei mais com Luiza.


sábado, 2 de abril de 2011

A Janela do Hospital

(adaptado)

Dois homens seriamente enfermos estavam na mesma enfermaria de um grande hospital. O quarto era bastante pequeno, com apenas uma janela. A cama de um deles estava próxima da janela. Como parte do tratamento para melhorar sua circulação esse paciente tinha permissão para sentar em sua cama por uma hora todas as tardes. O outro, contudo, tinha que passar o tempo todo com a barriga para cima.

Todas as tardes, quando o homem cuja cama ficava ao lado da janela era colocado em posição sentada, ele passavo o tempo descrevendo o que via lá fora. A janela dava aparentemente para um parque onde havia um lago. Havia patos e cisnes no lago e as crianças atiravam pedaços de pão ao animais e colocavam barcos de brinquedo na água. Jovens namorados caminhavam de mãos dadas entre as árvores e havia flores, gramado e jogos de bola. E, ao fundo, por trás da fileira de árvores, avistava-se o belo contorno dos prédios da cidade.

O homem deitado ouvia o sentado descrever tudo isso, apreciando todos os minutos. Ouviu como uma criança quase caiu no lago e como as garotas estavam bonitas no seus vestidos de verão. As descrições do seu amigo eventualmente o fizeram sentir que quase podia ver o que estava acontecendo lá fora.

Então, numa bela tarde, ocorreu-lhe um pensamento: Por que o homem que ficava perto da janela deveria ter todo o prazer de ver o que estava acontecendo lá fora?

Por que ele não poderia ter esta chance? Ele já se sentia muito melhor só de imaginar a vida acontecendo através da janela, se pudesse ver, então, melhoria mais rápido ainda.

De qualquer maneira ele aceitou aquela situação e assim prosseguiram os dias. O homem que só escutava ficava ansioso pelas horas da tarde em que o homem ao lado começava a descrever a paisagem e os acontecimentos através da janela.

Certa vez, passou ao lado do parque um desfile que o homem próximo da janela descreveu com a mais perfeito detalhamento. O homem que escutava não apenas conseguia visualizar o desfile como também era capaz de escutar a música tocada e sentir a emoção contida nas pessoas que participavam da parada.

Na manhã seguinte o homem que só ficava deitado percebeu uma movimentação estranha no quarto. Perguntou o que havia acontecido e, então, ele ficou sabendo que seu colega havia falecido. Morrera durante a noite de causas naturais e de maneira muito serena. Ele lamentou muito o acontecido.

Assim que arrumaram o quarto o homem que ficou perguntou se não poderia ser colocado próximo na outra cama. Claro que podia. Arrumaram-na para ele. Ele ficou extasiado porque poderia, então, ver a vida fora do hospital. Então, colocaram-no lá, aconchegaram-no sob as cobertas e fizeram com que se sentisse muito confortável. Assim que as enfermeiras o deixaram só ele se apoiou sobre um cotovelo, com dificuldades e sentindo muita dor ele conseguiu se sentar. Imediatamente olhou para fora da janela. Viu apenas uma parede de tijolos.

O homem chamou a enfermeira e assim que ela entrou no quarto lhe perguntou como seu ex-colega lhe descrevia coisas tão maravilhosas fora da janela se o que ele só via era uma parede. A enfermeira respondeu que o homem nem sequer podia ver a parede porque ele era cego.

Autor desconhecido.