"A alma humana é crística por sua natureza". Tertuliano

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Deus e eu II

(Continuação do post de 22 de junho.)

Alguém que está alterado emocionalmente não consegue ter clareza da realidade. A realidade fica pintada com a cores da emoção. Se alguém está apaixonado vê o mundo através dos olhos do encanto e mal consegue perceber suas agruras, elas são todas suportáveis por causa de sua paixão. Por outro lado quem está em luto pode estar no lugar mais lindo do mundo e não conseguirá apreciar a paisagem à sua frente. A dor impede um olhar de deslumbramento diante do belo. Durante meu período depressivo o mundo para mim era cinza.
A fim de me ajudar a sair da depressão comecei a frequentar um grupo que pratica tai chi chuan (e este foi fundamental para minha melhora).


Durante uma aula especial de tai chi o mestre nos falou o seguinte: "uma mente doente é incapaz de pensar coerentemente sobre Deus". Aquelas palavras me fizeram refletir muito sobre como eu pensava ou tentava pensar Deus. Entendi que qualquer pensamento que eu tivesse sobre Deus estaria contaminado com minha angústia. Era tão óbvia a ideia porque eu sabia que eu tinha uma visão pessimista sobre o mundo e sobre tudo. Mas eu precisei que alguém falasse sobre a ligação incoerente entre uma 'mente doente' e 'Deus". Algo começava a mudar em mim.
Desisti da ideia de pensar sobre Deus. Na verdade acho que comecei a respeitar meu momento. Já que quase tudo o que eu pensava tinha a marca do meu pessimismo era preferível deixar determinadas questões em suspenso.
Criou-se, então, um vazio muito grande. A 'briga' com Deus preenchia um pouco este vazio. Ao deixar a questão de Deus em suspenso comecei a olhar para mim mesmo. E ao buscar um olhar para mim me aproximei do budismo até porque vários praticantes do tai chi eram budistas. No começo o que era exótico passou a ser interessante na medida em que eu conversava com meus colegas de prática.
O budismo vinha a calhar. Pra mim, naquela época, era uma filosofia que por ter um viés bastante psicológico somava-se à minha aproximação da psicanálise por conta da terapia que eu fazia. A racionalidade budista ia ao encontro do meu academicismo universitário e tem um prática comportamental bem definida por uma ética. Eu me sentia bastante a vontade com o budismo. Comecei uma mudança interior.
No período do processo de leituras e mudança de acordo com a ética budista eu me mudei de casa. Deixei a casa de meus pais e fui morar sozinho. Por viver sozinho em um apartamento eu conquistei um fator que mudou radicalmente minha vida: o silêncio.
Longe do envolvimento emocional familiar e a calma de várias horas de solidão me obrigaram a escutar uma voz que eu desconhecia. Só o silêncio possibilita um reordenamento mental e uma auto análise mais sistemática e profunda. Mas não é nada fácil. Neste momento também resolvi frequentar um curso de yoga.
Achei que poderia me ajudar com uma certa ansiedade que eu vinha sentindo. A yoga me ajudou muito, foi como se eu fosse me colocando no meu próprio eixo. Sentia-me mais completo e comecei a ter algum vislumbre de felicidade. Aí tudo mudou novamente.
O universo agiu. Uma sequência de fatos, pessoas que apareciam do nada, situações aparentemente banais começaram a criar um panorama de simultaneidades e conectividades. Minha intuição aflorou e eu senti que tinha perdido o chão.
Durante algum tempo eu mergulhei num vórtice de percepção que me colocava entre dois planos. Eu tive muito, mas muito medo do desconhecido. Ao mesmo tempo estava muito instigado, deslumbrado e não me faltava coragem. Aprendi em 6 meses o que eu não entendi até os 38 anos. Eu dei um passo adentro do mistério da vida . Foi o meu despertar espiritual (em um outro post pretendo aprofundar este momento). O medo me fez me aproximar da minha fé de infância. Exatamente: a fé experimentada dentro da igreja quando eu ainda era um menino. O meu porto seguro foi o meu primeiro sentimento de Deus, do Deus-Pai criador. E a expressão disto eram minhas primeiras orações aprendidas, principalmente o Pai-Nosso. Esta oração, pra mim, é um capítulo a parte (como muita coisa é), mas neste espaço preciso resumir por enquanto. A fase seguinte foi da reconciliação.
Reconciliação com o catolicismo e seus ensinamentos. A necessidade fez ficar claro para mim que eu não podia jogar fora todo o ensinamento cristão que foi me proporcionado pela igreja. Ao contrário, aprendi que este ensinamento, mesmo com o método e a didática do livrinho de perguntas e respontas prontas do catecismo, era valioso para a construção da minha espiritualidade.
Eu reencontrava Deus. O 'meu primeiro' Deus. Deus Pai criador. Já aquele Deus punitivo ficou perdido em algum lugar do caminho. A minha alma, como uma casa, estava reformada e não havia mais espaço para o 'Deus-super-poderoso-punitivo'. A minha alma só aceitava então um Deus de amor e generosidade. Eu sabia que eu havia construido, ou reformado, um espaço para caber só este Deus. E aí... a ideia de uma reforma interna que define o 'visitante' começou a me incomodar.



continua...

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